A tarde de inverno em
São Paulo contradizia a estação e o sol das 13 horas castigava. Já inquieto com
a demora, Silvio Viana pula o muro da escola na ânsia de ser atendido pelo
caseiro."Fala para ele
abrir para nós que os meninos já estão aqui."
Quase vinte minutos
depois, o coordenador da Companhia Porto de Luanda consegue entrar na atual
sede com o restante dos brincantes de maracatu. Carregando agbês em cima de
alfaias, duas em cada braço, eles desviam das obras e buracos de reforma para
ensaiar na quadra da Escola Estadual Milton Cruzeiro.
Quando diz os "meninos", Silvio se refere aos dois convidados pernambucanos: Ivan e Deivson, batuqueiros da Nação Porto Rico. Em sua breve passagem por São Paulo, Deivson se apresentou na noite anterior com a Companhia Caracaxá pela programação especial do SESC Pinheiros.
Batuqueiros mostram aos pernambucanos o sotaque da cia |
Já do lado de fora,
batuqueiros e coordenadores se reúnem em um dos bares próximos à Praça dos
Professores, em Itaquera, zona leste da capital paulista. "Agora o ensaio é
no fifty cent", brincam, "tudo aqui custa cinquenta centavos".Silvio pede três
cervejas e uma Seleta para começar a entrevista. Do lado de fora, batuqueiros
pernambucanos e paulistas conversam descontraidamente sobre o assunto que os
une: o maracatu.
Ao som ambiente, um
forró universitário, o arte-educador e fundador da Porto de Luanda discorre sobre
sua paixão pela música, a devoção a Nossa senhora do Rosário dos Homens Pretos
e São Benedito. Entre os goles e as
interrupções, o também filho de Ogum ressalta como o maracatu mudou sua vida. E
a realização de um sonho: tocar na Noite dos Tambores Silenciosos no carnaval
de Recife.
Viana chama Deivson
para tomar um gole de cerveja e conta como ajudou com o apoio da Nação Porto
Rico em 2011: "Eu não participo
tocando, porque o pessoal ensaia o ano inteiro por esse momento. Acho injusto
querer desfilar junto. Mas no que eu puder para que eles façam um bom desfile, eu
ajudo."
Apontando para o ogã da
Porto Rico, ressalta: "Esse aqui deixou
a baqueta cair no carnaval passado e eu estava atrás para recolher".
Deivson contextualiza
sem desmontar o sorriso: "O batuqueiro não
pode abaixar para pegar a baqueta quando ela cai, senão a Nação perde pontos.
Eu sempre levo um par a mais preso à alfaia por precaução, mas o Silvão
recolheu a minha e a Porto Rico foi campeã". Assim se mistura a
história da Cia Porto de Luanda e da Nação Porto Rico, que entre santos e
orixás, compartilham uma mesma cultura: o maracatu, seja nos mangues, seja na
terra da garoa.